26 de Outubro de 2024

OPINIÃO Sexta-feira, 17 de Novembro de 2023, 15:19 - A | A

Saber o que você não sabe

art ricardo carvalho

 Ricardo Carvalho

Há uns anos atrás, implementei um Business Intelligence num boteco conhecido, do fervo de Cuiabá.
Só aí você já ficou curioso, um BI, num boteco? Que só vende cerveja e petisco?
Que complicação de gestão pode um boteco ter, que necessite de um BI para desembrulhar.
Basicamente, o empresário não sabia o que não o sabia e queria saber.
Depois de várias conversas que tivemos, sobre indicadores de desempenho, sobre embasamento dos processos de gestão, sobre a identificação de tendências escondidas por debaixo de dados operacionais, ele ficou convencido.
E permitiu que nós (ainda num período de S. Cosme e Damião - those in the know, know... - analisássemos os dados que podiam ser obtidos do sistema de vendas.
E montámos um cubo de informação.
Como sabem, com certeza, o cubo é criado por três categorias de informação:
As métricas, que são os números que pretendemos analisar, neste caso, o volume de vendas;
As dimensões, que são categorias de análise, e, neste exemplo, são os garçons, os produtos, as formas de pagamento, etc.
As séries temporais, que no caso em questão definimos como sejam, dia, semana, mês e trimestre.
Portanto, uma pergunta possível de ser respondida seria:
quanto que cada garçom vende por mês, por categoria de produto?
Facinho, Facinho.
E foi só começar a analisar os dados disponíveis para a verdade dos fatos começar a aparecer.
Por exemplo, cortesias são perfeitamente normais em qualquer negócio, e todos os empresários o sabem.
Mas quando, todas as sextas feiras, não uma, não duas, mas todas as sextas feiras, determinado garçom, oferece dois whiskies, importados, alguma coisa de anormal se passa.
Será que ele está enganando o proprietário, ou será que essa cortesia motiva um aumento substancial de negócio, em produtos de alta margem, cujo volume absorve facilmente o valor de custo da mercadoria oferecida?arte ricardo

 


É uma boa pergunta, neh? E para a qual nós tínhamos resposta...
Mas o que mais nos intrigou foi a cerveja. Ou o Chopp, na verdade.
Todos sabem que o Chopp tem uma margem melhor que a cerveja, isto é, ganha-se mais dinheiro vendendo Chopp que cerveja de garrafa O proprietário sabia disso (tinha feito um exercício de precificação correto e sabia qual a margem de contribuição) e tinha dado instruções aos garçons para, usando técnicas de venda, procurarem uma maior saída de Chopp que de cerveja. Vejam só....
E de uma forma geral, na média, os garçons vendiam 70,3% de Chopp contra 29,7% de cerveja.
Exceto um garçom em particular, chamemos-lhe José (para manter o anonimato, aturalmente).
José vendia 80% de cerveja e 20% de Chopp, na contra corrente das instruções e de todos os outros garçons
Estranho….
Decidimos saber porquê e fizemos um exercício de cliente oculto (na verdade fomos encher a cara, com o alto patrocínio do nosso cliente, mas, como iremos ver, ele considerou esse gasto como um ótimo investimento)
Sentámos em uma das mesas atendidas por José e começamos a noite.
E quando pedíamos cerveja José não oferecia Chopp e quando pedíamos Chopp, José trazia cerveja
E á medida que a noite passava e nós observávamos José íamos entendendo o porquê daquela diferença de comportamento dos outros garçons
Antes de revelar o mistério, eu gostaria de propor alguns entendimentos:
1. Antes do BI, o meu cliente só queria um determinado valor de vendas por dia. Para ele estava bom. Mas ele não tinha conhecimento que os clientes dele, na loja dele, estavam com dinheiro no bolso, para gastar, e ele não estava conseguindo capturar esse valor
2. Antes do BI, o meu cliente não tinha noção que parte dos produtos dele estavam a esvair-se, sem o retorno esperado do investimento
Isto significa apenas uma coisa: os dados operacionais são importantes, mas precisamos de os analisar de uma forma estratégica se queremos tomar decisões de gestão embasadas em algo mais que puro achismo
Os dados operacionais escondem, na sua maioria significativa, informações de gestão que para serem percebidas, precisam de ser analisadas multidimensionalmente, através de mecanismos de agregação de dados.
O BI permite isso, ou melhor, o BI é desenhado com esse objetivo em mente, e este paradigma serve para todos os negócios e não apenas para grandes empresas.
Pequenas e médias empresas também podem tirar partido do embasamento estruturado da decisão
Bom... e relativamente ao José?
José já não era novo e estava alocado a um grupo de mesas que ficava mais perto do freezer que da torneira de Chopp.
Vendendo cerveja, Jose andava menos, fazia menos viagens, que vendendo Chopp porque a cerveja demora mais tempo a ser consumida que o Chopp.
Obvio, neh? Mas só se você soubesse que essa é uma realidade, porque de outra forma não iria olhar para José de uma forma comparativa mas isoladamente. Existem dados que só ganham significado quando são representados em um espaço, por isso mapas e croquis são tão importantes.
E a solução foi fácil. Meu cliente trouxe José para um conjunto de mesas perto do barril de Chopp, e imediatamente José começou a vender mais Chopp que cerveja
Através de uma decisão de gestão, de natureza operacional, o meu cliente corrigiu um processo que aumentou a sua margem nas vendas
Facinho, Facinho, como falei...
O truque é apenas entender o que está acontecendo.
Meu cliente transformou essa informação em conhecimento e agora, sempre que contrata um garçom com mais idade, ele redistribui as mesas de acordo com as suas prioridades.
Ah.... e o whisky deixou de ser consumido, graciosamente, todas as sextas feiras. O meu cliente despediu o garçom e o cunhado dele deixou de ir ao boteco antes de se lançar no fervo.

Ricardo Carvalho é consultor credenciado do SEBRAE, e sócio fundador e CEO da Sucesso.Global

[email protected]  



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Genilto Nogueira 18/11/2023

Gostei da aula prática e teórica desse texto, que a princípio poderá servir para todos os tipos de negócio, claro que adequada..... Parabéns

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