03 de Outubro de 2024

OPINIÃO Segunda-feira, 19 de Setembro de 2022, 12:36 - A | A

Ser feliz?

Em época de muita autoajuda, os pregadores da felicidade andam em voga

Foto: Divulgação

Goncalo de Barros Neto

 Gonçalo Antunes de Barros Neto

Em época de muita autoajuda, os pregadores da felicidade andam em voga. As palestras motivacionais encampam os horizontes dos que precisam enxergar sentido em tudo, especialmente porque a natureza nos é indiferente.         

Essa necessidade humana por uma redescoberta constante traz angústia, que nada mais é que vertigem da liberdade (Kierkegaard). Considerando que o homem e a mulher estão condenados a serem livres (Sartre), a responsabilidade daí advinda, em que o outro é o inferno (também de Sartre), posto se fazer de espelho que reflete e mostra quem somos, transforma a todos em desejosos incansáveis da felicidade, que às vezes se torna cada vez mais distante pela falta de compreensão dos escaninhos próprios da sobrevivência.      

O problema maior reside na diferença entre tentação e desejo, que nem sempre é fácil de estabelecer. Resumidamente, o desejo é quando a tentação se torna consciente na pessoa. 

O objeto desejado, ou mesmo a situação desejada, se torna conhecida do sujeito cognoscente. Em sendo conhecida, a sua busca, se fácil ou difícil, e até impossível, tem densidade a ensejar tristeza.

Vale ressaltar, contudo, que se conseguir o “algo” desejado, parte-se para novas buscas, num ritmo sem fim que se aparenta constante. Isso deságua em mais angústia. Nessa hipótese, se tem o primeiro antídoto: a limitação do desejo.                      

Assim, colocar seu tesouro no lugar certo, pois, onde estiver o seu tesouro ali estará seu coração (Jesus). Limitar-se e equilibrar o que se quer, somente optando pelo suficiente, não somente é virtuoso como faz “Eudaimonia” (Aristóteles), a vida feliz, aquela moralmente significativa, segundo os gregos da antiguidade.           

A autoajuda não singulariza, antes generaliza. As fórmulas que traz da felicidade estão postas sem considerar a individualidade e a própria complexidade humana, que exige muito mais que regras gerais de bem caminhar. 

Primeiro, se deve considerar que a vida de cada qual tem altos e baixos, e para alguns essa balança não é equilibrada, pendendo quase sempre para baixo. Segundo, fatores sociais e econômicos sempre está em jogo, e os “considerandos” não se encaixam em determinados perfis.

O certo a ser feito é ensinar a suportar a vida como ela é, como está voltada para cada indivíduo. Aqui tem muito de Epicuro de Samos: cultivar a felicidade da vida simples e aceitar o sofrimento e o rigorismo dela com resignação (Epicurismo).           

Vejam bem, nem de longe isso tudo alcança a resignação covarde e sem propósito. Aí seria indiferença e, pior, egoísmo para com os demais. É um estado emocional particular, voltado parta si, mas que não obstaculiza a luta política e a participação nos destinos da comunidade.            

Aliás, o prazer só se reconhece na dor, o bem no mal e assim por diante. A alteridade é o “inferno” porque é ela quem se habilita para culpar. Portanto, o sofrimento faz parte da vida e é isso que precisa ser conhecido, apreendido e aceito.           

As palestras de autoajudas são boas na energização de momento, mas perdem força com a realidade fora do auditório. Falta-lhes o atributo de indelével, de infinitude. E claro, sempre faltará.           

Enfim, parar de buscar propósito em tudo e aceitar a realidade é um bom começo para pacificar a inquietude que sobrecarrega a angústia. A própria angústia tem seu momento de positividade; sua importância está na retirada da zona de conforto àqueles que precisam dela para exercitar a criatividade e o conhecimento.           

Seres criados e não gerados pela perfeição (Deus), estão longe dos atributos da inviolabilidade ética e virtuosa. Um pouco de milênios de paciência em sucessivas visitas por estas bandas terrenas (ou na eternidade) trará cada vez mais alívio e paz.           

Quem tem fé tem paciência (Alcorão).

 É por aí...

 Gonçalo Antunes de Barros Neto é magistrado.



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