Em época de muita autoajuda, os pregadores da felicidade andam em voga. As palestras motivacionais encampam os horizontes dos que precisam enxergar sentido em tudo, especialmente porque a natureza nos é indiferente.
Essa necessidade humana por uma redescoberta constante traz angústia, que nada mais é que vertigem da liberdade (Kierkegaard). Considerando que o homem e a mulher estão condenados a serem livres (Sartre), a responsabilidade daí advinda, em que o outro é o inferno (também de Sartre), posto se fazer de espelho que reflete e mostra quem somos, transforma a todos em desejosos incansáveis da felicidade, que às vezes se torna cada vez mais distante pela falta de compreensão dos escaninhos próprios da sobrevivência.
O problema maior reside na diferença entre tentação e desejo, que nem sempre é fácil de estabelecer. Resumidamente, o desejo é quando a tentação se torna consciente na pessoa.
O objeto desejado, ou mesmo a situação desejada, se torna conhecida do sujeito cognoscente. Em sendo conhecida, a sua busca, se fácil ou difícil, e até impossível, tem densidade a ensejar tristeza.
Vale ressaltar, contudo, que se conseguir o “algo” desejado, parte-se para novas buscas, num ritmo sem fim que se aparenta constante. Isso deságua em mais angústia. Nessa hipótese, se tem o primeiro antídoto: a limitação do desejo.
Assim, colocar seu tesouro no lugar certo, pois, onde estiver o seu tesouro ali estará seu coração (Jesus). Limitar-se e equilibrar o que se quer, somente optando pelo suficiente, não somente é virtuoso como faz “Eudaimonia” (Aristóteles), a vida feliz, aquela moralmente significativa, segundo os gregos da antiguidade.
A autoajuda não singulariza, antes generaliza. As fórmulas que traz da felicidade estão postas sem considerar a individualidade e a própria complexidade humana, que exige muito mais que regras gerais de bem caminhar.
Primeiro, se deve considerar que a vida de cada qual tem altos e baixos, e para alguns essa balança não é equilibrada, pendendo quase sempre para baixo. Segundo, fatores sociais e econômicos sempre está em jogo, e os “considerandos” não se encaixam em determinados perfis.
O certo a ser feito é ensinar a suportar a vida como ela é, como está voltada para cada indivíduo. Aqui tem muito de Epicuro de Samos: cultivar a felicidade da vida simples e aceitar o sofrimento e o rigorismo dela com resignação (Epicurismo).
Vejam bem, nem de longe isso tudo alcança a resignação covarde e sem propósito. Aí seria indiferença e, pior, egoísmo para com os demais. É um estado emocional particular, voltado parta si, mas que não obstaculiza a luta política e a participação nos destinos da comunidade.
Aliás, o prazer só se reconhece na dor, o bem no mal e assim por diante. A alteridade é o “inferno” porque é ela quem se habilita para culpar. Portanto, o sofrimento faz parte da vida e é isso que precisa ser conhecido, apreendido e aceito.
As palestras de autoajudas são boas na energização de momento, mas perdem força com a realidade fora do auditório. Falta-lhes o atributo de indelével, de infinitude. E claro, sempre faltará.
Enfim, parar de buscar propósito em tudo e aceitar a realidade é um bom começo para pacificar a inquietude que sobrecarrega a angústia. A própria angústia tem seu momento de positividade; sua importância está na retirada da zona de conforto àqueles que precisam dela para exercitar a criatividade e o conhecimento.
Seres criados e não gerados pela perfeição (Deus), estão longe dos atributos da inviolabilidade ética e virtuosa. Um pouco de milênios de paciência em sucessivas visitas por estas bandas terrenas (ou na eternidade) trará cada vez mais alívio e paz.
Quem tem fé tem paciência (Alcorão).
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é magistrado.