Ser mãe é ir além, é amar antes de conhecer, é amar conhecendo, é amar as qualidades, os defeitos, independente de qualquer outra coisa. A nutricionista cuiabana, Branca Fernandes, mãe de Dimitry e Faena Fernandes Kalinowski, piloto e escritora com transtorno do espectro autista, aprende todos os dias novas formas de enxergar seu papel como mãe na vida dos filhos e os vê como a sua razão para lutar, sorrir e amar.
Em conversa com o RepórterMT, Branca contou que sempre quis ser mãe, sonho que alimentava desde jovem. "Quando a maternidade aconteceu para mim, eu tive a felicidade de ter dois filhos, um menino e uma menina. Apesar de diferentes entre si no comportamento, o Dimy era irritadiço, não olhava nos olhos, birrento, e a Faena era o oposto, extremamente dócil, sorridente, meiga, carinhosa. Ambos muito inteligentes e sempre juntos, mas muito diferentes."
Branca relata que seus filhos cresceram sem apresentar atraso de fala, nem do desenvolvimento, típicos em casos de autismo, mas apesar de não terem problemas de comunicação, ela alega sempre ter suspeitado do diagnóstico de autismo, que só ocorreu na fase adulta.
"Nenhum pediatra confirmou, ninguém da família me apoiou. O Dimitri teve desenvolvimento precoce, falou cedo, andou cedo, era inteligente. Não teve nenhum atraso e por isso as pessoas achavam que eu estava procurando doença em um menino saudável, eu era mãe querendo arranjar doença para o filho", relembra.
Com todos negando, Branca decidiu deixar o assuntoto de lado. Quando o filho já estava no ensino médio, teve contato com o livro "Olha-me nos olhos: a vida com Asperger", do John Elder Robison. Momento em que se lembrou de que a frase "Olha-me nos olhos" era o que ela sempre dizia ao seu filho antes de pedir algo para ele, na intenção de se fazer entender. Ao pesquisar o tema mais a fundo, Branca conseguiu identificar todas as características da Síndrome de Asperger em Dimitri. O diagnóstico se deu um tempo depois, por uma psiquiatra em São Paulo.
No caso de Faena, o diagnóstico veio mais tarde ainda. Inicialmente diagnostica com Síndrome de Borderline, condição que consiste em mudanças repentinas de humor e comportamento, Faena só descobriu que possuía espectro autista em 2022.
"A Faena sempre foi muito amorosa, ela sente demais. Após a confirmação do autismo dela, eu estou tentando entender mais sobre isso, porque o autismo feminino é totalmente diferente. Vê-la como autista é aprender tudo de novo, tudo que eu conhecia, o pouco que eu sabia sobre autismo. Se hoje ainda há pouca informação sobre autismo na fase adulta, o autismo feminino tem-se ainda menos informação."
Mas o autismo não parou os irmãos Fernandes, deu mais vontade de demonstrar suas capacidades. Dimitry, ainda aos três anos começou a demonstrar interesse por corridas, sendo um entusiasta dos karts dos shoppings cuiabanos. No ensino médio, o jovem disse à mãe que queria se tornar piloto de corrida. Já Faena focou seus sentimentos na literatura, com inteligências superior para varias áreas.
Esse sonho que já caminha a passos largos para se tornar realidade. Após competir em uma corrida pela conscientização do autismo, pelo campeonato mato-grossense em 2022, o jovem conseguiu realizar uma grande façanha: em 30 de abril, na segunda edição da corrida pela conscientização do autismo, Dimitry venceu a corrida que pertence ao Campeonato Estadual de Kart Club, realizado em Várzea Grande, o que deu a ele não apenas o troféu de primeiro lugar, como também se tornou a primeira pessoa do espectro autista a ser registrado pela Confederação Brasileira de Automobilismo como piloto.
Já Faena, que segundo a mãe sempre apresentou interesse na literatura, focou em escrever e publicar seu livro, "Entre a luz e o fogo", que conta a história de deusas da mitologia egípcia, Hathor e Sekhmet. Após a publicação, o material escrito por ela foi avaliado e em março de 2023 recebeu um reconhecimento em uma premiação em Genebra, na Suíça, por seu destaque e expansão intelectual no âmbito cultural.
"Me enchem de orgulho, são profissões difíceis, ser escritor não é fácil, não temos no nosso país a cultura da leitura. A Faena não faz livro de autoajuda ou algum outro que tenha uma demanda maior, ela foi para um lado totalmente diferente, uma ficção de mitológico egípcia e abordando o universo feminino. É diferente, mas é o que a faz feliz", pontua a mãe.
Por isso, a ativista da causa autista na fase adulta, destaca a importância de as mães incentivarem os os filhos autistas nas atividades a que eles demonstrarem interesse, principalmente quando o assunto é esporte.
"Eu sei que as terapias são difíceis e em um certo momento eles podem não querer mais fazer, mas o esporte pode ser uma solução. O autista precisa de regras claras, eles não entendem o meio termo, nem entre linhas. Por isso que o Dimy não tem problema em ir para a pista, porque lá as regras são claras, ele não tem que interpretar nada", comenta ela.
Branca ainda pontua que o esporte ajuda no hiperfoco, no perfeccionismo e na coordenação motora de quem possui o espectro autista, além de trazer a sensação de pertencimento, mesmo em esportes individuais.
Apesar de reconhecidos nacional e internacionalmente, os irmãos se mantém junto da mãe coruja em Cuiabá, onde moram e convivem em harmonia e em uma relação mútua de amor, o que impulsiona a mãe a buscar cada vez mais informação e conscientização das pessoas para a condição dos filhos.
Para Branca, ser mãe é cuidar com amor e exercer esse papel da maternidade durante muito mais tempo do que se espera.
"Quando você tem um filho autista, o cuidado continua mesmo em uma fase que para os outros não tem mais necessidade de cuidado. Você acaba exerce a maternidade por mais tempo. Meus filhos são adultos, mas eu ainda os levo nos lugares, busco, compro material para os cursos, compro os pneus, as peças que o Dimi precisa. Eles fazem coisas incríveis mas o cuidado e o amor se mantém. É uma maternidade atípica, e para adultos autistas, esse cuidar com amor continua para sempre", conclui.
