15 de Setembro de 2024

POLÍTICA Segunda-feira, 16 de Janeiro de 2023, 07:56 - A | A

INVASÕES NA ESPLANADA

“Nós estamos a um passo do clima de violência como o de 1964”

Para o jornalista, o país passa por um momento de insegurança política

Onofre Ribeiro

 Onofre Ribeiro

O analista político Onofre Ribeiro disse temer que o Brasil retorne a um clima hostil de sucessivas violências como aconteceu em 1964, época do golpe militar que deu início à ditadura.

 A ditadura durou 21 anos e foi marcada por tortura, censura, cassação de parlamentares e pessoas exiladas.

 No último domingo (8), uma invasão ao Congresso Nacional, em Brasília, marcou a história política do País. Grupo de vândalos invadiram as sedes dos três Poderes em protesto contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O saldo da invasão foi fachadas pichadas, móveis quebrados, obras de arte rasgadas, salas reviradas, objetos queimados e mais um monte de depredação e destruição.

Em entrevista ao MidiaNews, Onofre fez uma análise da conjuntura atual, criticou a atuação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, falou de expectativas do governo Lula, gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os últimos acontecimentos em Brasília.

 "O que aconteceu domingo pede, obrigatoriamente, um olhar de perspectiva. Não se trata de Lula nem Bolsonaro o que houve em Brasília. O que houve ali é um passo na tentativa de se desenhar uma nova perspectiva política da nova sociedade brasileira", disse o jornalista.

 Confira os principais trechos da entrevista:

 MidiaNews - O que esses atos em Brasília revelam do atual sentimento de parcela da população brasileira?

 Onofre Ribeiro - O que aconteceu domingo pede, obrigatoriamente, um olhar de perspectiva. Não se trata de Lula nem Bolsonaro o que houve em Brasília no domingo. O que houve ali é um passo na tentativa de se desenhar uma nova perspectiva política da nova sociedade brasileira. Porque lá em 2014, na eleição entre Dilma e Aécio, estabeleceu uma polarização. Veio o governo Bolsonaro, que se elegeu num ambiente de polarização. Uma parcela contra o lula-petismo e uma parcela pelo Bolsonaro e outra por mudanças.

 Bolsonaro governou sobre intensa polarização, no limite da polarização. Quando perdeu a eleição e terminou o governo, a polarização não diminuiu, e sim aumentou, porque somou essa polarização à frustração. Então, aquele povo foi para rua muito mais por frustração do que bolsonarismo. É uma frustração e uma busca de uma identidade nova do país, independente de A ou B. Isso podia ter sido evitado se o Lula, ao entrar, não começasse a fazer afirmações no sentido de represária instantânea ao bolsonarismo.

 Quando ele coloca o ministro da Justiça, Flávio Dino, que é do PCdoB. Se você olhar para trás, na época do regime militar o PCdoB pregava uma revolução armada para tomar o poder. Entra o Lula com a absoluta necessidade de pacificar o país e, influenciado por esse pessoal, deixou o Flávio Dino falar bobagem demais. Então, aquele sentimento inflamado que já vinha de bolsonarismo frustrado, tornou-se um sentimento vivo não mais pelo bolsonarismo, um sentimento vivo de que acabou a política e que temos que mudar isso aí.

 MidiaNews - Como o senhor interpreta as invasões?

 Onofre Ribeiro - Se você olhar, na hora que invadem os três poderes, isto é um gesto muito maior que uma simples invasão. É um gesto de desmonte do estado. Este estado não nos serve.

 A gente não pode pegar este fato de domingo e olhar pelo factual. Tem que olhar pela perspectiva da história. O que isso vai significar, o que isto vai continuar significando e que o Brasil cansou da política que está aí e quer uma política nova. Se vai demorar um, dois, três ou quatro governo, eu não sei. Agora, isso fragilizou o governo Lula terrivelmente, porque ele vai tomar atitudes fortes num ambiente de polarização que vai gerar mais reação. Me parece que o Lula precisaria, imediatamente, entrar em campo, porque ele tem capacidade para isso, para pacificar e "beijar" na boca de todo mundo.

 MidiaNews - O senhor tem experiência em política, tendo inclusive morado em Brasília. Já presenciou um momento político tão tenso feito agora?

 Onofre Ribeiro: Me lembro de dois momentos: 1964 e 1963. Antes de 64 haviam invasões que eram processos comandados pelo sindicalismo do João Goulart, que era herdeiro do Getulio [Vargas]. Haviam interdições, bloqueio de avenidas, prédios públicos, fechamento de supermercados... E era muito grave isso. O outro momento foi no regime militar, que era muito comum os militares fecharem universidades. Eu estudava na UnB em 1968 quando o Exército invadiu a faculdade e espancou, prendeu e etc. O Exército invadiu o Congresso mais de uma vez. Cassou parlamentares, prendeu gente, ministros de Supremo, era uma ação de estado.

Mas era uma ação violenta que mexeu profundamente em Brasília. Me lembro de vir da universidade para casa e os ônibus coletivos serem parados pelo Exército na avenida. Descia todo mundo, colocava as mãos na cabeça e abriam as pernas para eles analisarem. Então, tinha um sentimento muito grande de inseguraça por conta da política. E é mais ou menos o que houve agora, mas a linguagem mudou. O Brasil é cíclico nessa história de instabilidade política. Agora é um desses ciclos.

 MidiaNews - Não considera um erro colocar no mesmo saco pessoas que estavam lá protestando, e que não entraram nos prédios, e pessoas que invadiram e depredaram?

 Onofre Ribeiro - Não é erro, não. A gente tem que considerar friamente. Quem depredou o Congresso, um dia antes a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) já tinha detectado que haveria um movimento de invasão. Então, o governo, MST e a CUT, por orientação política, fizeram a infiltração, tanto é que havia indivíduos de pretos, igual àqueles black blocks de 2013. Ali foi uma infilitração política. E a coisa era para ser uma invasão simbólica, aí, no calor da emoção, todo mundo meteu o pé na jaca. Aí, o governo fez uma contrainformação.

 O Lula sabia da invasão no domingo, o Flávio [Dino] sabia, o Exército, o governador do Distrito Federal e o secretário de Segurança também sabiam. Transformaram isso numa contra informação para justificar as medidas mais duras na segurança, porque, se você lembrar, todo mundo achava que, com a posse, no dia seguinte os acampamentos dissolveriam. Não dissolveram. O governo só podia tomar uma atitude. Dentro do campo da estratégia, aproveitaram essa invasão, infiltrar e criar uma crise de segurança que justifique medidas duras daí para frente. Foi uma atitude do governo para se posicionar politicamente, porque o movimento do Lula começou muito fraca. Isso é estratégia de política. Não estamos analisando a invasão pela invasão. Atrás da invasão tem um monte de coisas acontecendo de geopolítica e de transformação social e partidária. 

 MidiaNews - Como acha que deve ser a punição para aqueles que depredaram os bens públicos? 

 Onofre Ribeiro - Aplica-se a lei.

 MidiaNews - Não teme que, com o pretexto de conter extremistas, promova perseguição a adversários?

 Onofre Ribeiro - Já começou. Em estratégia política nem sempre o que você diz é o que você pensa. A política é muito de sinais de fumaça. Eu tenho a impressão que vai começar um processo de perseguição geral em nome da ordem. Os militares fizeram isso. E se você colocar a esquerda do Flávio Dino e a esquerda radical do PT que está em torno do Lula, esse é o núcleo duro do governo. O restante é por enfeite. O governo se resume a isso. Esse núcleo duro de governo é ideológico e precisa ter causas justificadas, isso é da esquerda mundial, para aplicar leis mais endurecidas.

 Então começou um processo de governo de endurecimento das liberdades individuais com o propósito típica da esquerda. A esquerda está sendo esquerda no Brasil.

 MidiaNews - Acha que, nos próximos 4 anos, vamos continuar vivendo essa tensão política?

 Onofre Ribeiro - O Lula é um sujeito dos maiores capitais que o Brasil já viu. A história dele é essa. Ele é o único capaz de tirar essa perspectiva ruim. Ele precisa ir para rua, desarmar psicologicamente a população. Ele tem linguagem e prestígio para isso. Só ele desarmar a polarização. Do contrário, se ele não fizer e se for na conversa do Flávio Dino, do Rui Costa, do Marcadante e Haddad, vai ser um presidente radical, que ele não é. Ele é um político que sabe se comunicar, se portar e tem compreensão das coisas. Só ele poderá dizer que tipo de governo terá e como é que fará isso. Por um único caminho: pacificar o país. E ele é perfeitamente capaz disso. Não há outra linguagem. Do contrário, não vai governar. Vai ser um caos permanente.

 MidiaNews - Nesta semana, o ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento do governador Ibanes Rocha e a prisão do ex-ministro Anderson Torres. Como viu essas decisões?

 Onofre Ribeiro - É outro problema que Lula vai ter que resolver. Ele está deixando o Supremo começar a ter protagonismo político. Esse assunto era para ser resolvido pelo Ministério da Justiça, Polícia Federal, Advocacia Geral da União e, eventualmente, pelo exército. Era por aí.

 Ele deixou que o Supremo assumisse o protagonismo e o Supremo está vindo de um protagonismo muito forte desde o Temer e não vai abrir mão. Ele [Lula] já perdeu uma grande parte do poder político para o Supremo. Esse episódio não era para ser resolvido pelo Supremo. O Supremo entraria como Justiça lá na frente, dirimindo situações e não tomando protagosnimo.

 Eu acho que foi absolutamente grave o Alexandre e o Supremo tomarem o protagonismo disso. Judicilizou antes das coisas, antes do político. A judicialização vem depois que a politica falha. Quando ela vem antes do político, desconfigura todo o processo. Ou Lula age rapidamente pacificando a nação ou ele perde o poder para o Supremo como o Bolsonaro perdeu. O Bolsonaro perdeu por incompetência. O Lula não pode ser acusado de incompetência. Mas, se ele ficar omisso, vai deixar o Supremo tomar conta. O xerife do Supremo é o Alexandre de Moraes. Quem pode conter ele? O campo político. Quem é o campo político? Um homem só, o presidente da República.

MidiaNews

Onofre Ribeiro

"A gente não pode pegar este fato de domingo e olhar pelo factual. Tem que olhar pela perspectiva da história"

 MidiaNews - Teme que essa dureza nas decisões do Moraes tensione ainda mais as coisas? 

 Onofre Ribeiro - Vai tensionar cada vez mais, porque o Supremo considera político, mas é técnico e nunca teve voto na vida. Eles pensam judicialmente. E o judicialmente não considera o lado político,  considera a decisão em si mesma. E o Alexandre já vem desde muito tempo tomando atitudes muito fortes. Estas atitudes vão provocar reações violentas de uma sociedade polarizada. Cada ação corresponde a uma reação igual em sentido contrário. Isso é uma lei da física.

 O Alexandre está pondo fogo no circo. Como é que contém ele? Pela ação política do único cara que pode, que é o presidente da República, que tem capital político pra isso. Ainda tem, porque o risco de perder é muito grande se ele não agir agora. A polarização aumenta e começa um clima de violência no país. Nós estamos a um passo do clima de violência como o de 1964. 

 MidiaNews - O Bolsonaro, de certa forma, não abandonou os seguidores ao ir para os Estados Unidos neste momento de transição de um governo para o outro? De certa forma, os eleitores dele não se sentiram largados?

 Onofre Ribeiro - Sentiu. Grande parte dessa ação de invadir os Três Poderes é fruto da órfãndade. O Bolsonaro foi embora sem dar explicações. Se ele tivesse dito que ficaria afastado do país por três meses para pacificar o governo e depois voltar para comandar a oposição, seria uma estratégia e o eleitor dele entenderia. Mas ele não disse isso. Ele foi embora e provocou uma intensão de fuga e aconteceu o que aconteceu. Prejudicou muito a missão dele de liderar uma oposição a partir deste ano. Deixou o eleitor indignado e frustrado e meteu o pé na jaca. 

 MidiaNews - Qual é o papel da sociedade civil na busca por uma harmonia no País?

 Onofre Ribeiro - Está fora do limite da sociedade. Neste momento, a pacificação está na mão institucional. Primeiro, o presidente, depois o Congresso, o Ministério Público e o Judiciário. O Judiciário só entra quando falham esses degraus institucionais. Neste momento, o Judiciário está no primeiro degrau. Está errado. A sociedade não pode fazer nada. O sistema político tem que se acertar primeiro e a sociedade entra como poder moderador. Neste momento, não há nada que a sociedade possa fazer, a não ser ficar atenta.



Comente esta notícia