26 de Outubro de 2024

OPINIÃO Sexta-feira, 08 de Julho de 2022, 09:59 - A | A

São João e a Água

neila barreto

 Neila Barreto

O mês de junho se foi, mas as festas juninas ainda continuam em nossa cidade e em nossa memória. A alegria dos festejos de São João se confunde com a hospitalidade do nosso povo. Em uma Cuiabá de outrora passear pelo centro histórico de Cuiabá neste período é a mesma coisa que relembrar as grandes festas de São João que aconteciam no espaço urbano da cidade.

Por lá as festas juninas sempre aconteciam com muita freqüência. A lavação do santo consistia em colocar os pés dele sob a água e daí para frente tudo era alegria. Banda de música, noiva no carro de boi, quadrilha, quentão, bolo de arroz, amendoim e muita animação.

Havia três opções para a lavação do santo na Cuiabá de outrora: O Chafariz do Jardim Alencastro, a Bica da Prainha e o Tanque do Baú. Porém, havia os que preferiam atingir o rio Cuiabá, como o São João de D. Carlota Ferreira Ponce, moradora da encosta da igreja Bom Despacho. O São João mais famoso era o de “Siá Blandina” que era lavado na Bica da Prainha. A rua ficava pontilhada de fogueiras e as estrelas saltitavam no céu, como se quisessem cair por sobre o córrego da Prainha, hoje canalizado. Nas margens do córrego ficavam a emoldurar a festa de São João seu Tingo, Portela, Clóvis Sabo, Manoel de Horácio, Firmo Fontes e outros, como diz a famosa poetisa Dunga Rodrigues em suas memórias.

O povo vinha de todo lugar para procurar a Bica d´água e as suas festas juninas que sumiram do centro da cidade para dar lugar à urbanização. Quantas cidades brasileiras enfeitam as ruas e praças com essas bicas e esses chafarizes? Por que Cuiabá não faz o mesmo? Segundo o historiador Lenine de Campos Póvoas, o lugar de água da Prainha ainda chora pelo seu resgate, pela sua reconstituição, pois permanece sempre úmido e frio com filetes de água a chorar.

No bairro Lixeira, o São João de seu Bento – um pedreiro e o seu irmão Honório, era lavado no Tanque do Baú (proximidades do Hospital Fémina), lugar onde hoje se encontra localizada uma escola municipal desativada, via aquática soterrada pelos prédios e pelas insensibilidades.

Lá pelos lados da igreja do Rosário, o São João de Nhá Tuta e João Romão, as festas de Merenciana, de Maximiana, Eulália, de Joana, e Shá Nhana, deixaram eternas saudades e se perderam no tempo e no espaço.

Pelas bandas da Igreja Mãe dos Homens, o São João do Seu Gurgel ia do Bosque (Praça Santos Dumont) até o Jardim Alencastro para a lavação do Santo no Chafariz do Jardim e o povo numa procissão festiva com velas acessas caminhava calmamente, sem ter medo da violência, do assalto ou da velocidade dos veículos.

Na Cacimba do Soldado, nativa no terreno da chácara pertencente a senhora Amélia Vinagre, tia da professora Dunga Rodrigues, na antiga Praça Santa Rita e atual Praça Rachid Jaudy era uma fonte natural que formava um lago na Rua Barão de Melgaço, antiga rua do Campo, em frente à chácara do senhor Alexandre Ferreira Mendes, cujo local foi projetado para ser construído um chafariz no governo do presidente Cardoso Júnior, o que não chegou a ser construído, em 1872. Era, à época, também, uma alternativa de abastecimento de água doce potável para Cuiabá. Também foi um local de luxo e privativo para lavar o “São João”, quando das suas festas juninas. Suas águas jorram soterradas em direção à Praça Ypiranga, centro da capital.

Na Praça Dona Palmira Pereira Dias, antes denominada Praça das Lavadeiras, foi construída em 1975, pelo prefeito de Cuiabá Manoel Antônio Rodrigues Palma (Titito), época em que também foi construído o Poço na Lixeira com uma estátua simbolizando a Lavadeira e os seus gestos. A água que abastece este poço, vem da nascente do córrego do Gambá que hoje em dia, serve para lavar São João, um dos mais importantes santos das festas juninas cuiabanas de um importante significado para a cultura popular e cuiabana.

Havia o São João de dona Capitulina Guerra, na Praça da Mandioca, onde o santo era lavado na fonte luminosa, localizada na Praça Alencastro e, depois, voltavam em procissão para a feirinha da mandioca. A festa durava três dias.

Um dos mais famosos era o são João Bola de Ouro, de dona Jovina, moradora do Largo do Rosário, próximo ao Morro da Luz. Também, não podemos esquecer do São João de dona Juja – Benedita Faria de Souza, devota de São Benedito que participou 40 anos como voluntária dos festejos de São Benedito, que atraia grande número de pessoas. Até hoje diversas famílias de Cuiabá mantém a tradição de festejar São João Batista, levando o Santo para a igreja e, depois retornando para dar prosseguimento à lavagem e chá com bolo. Em muitos casos, as festas duravam até 3 dias.

No bairro Dom Aquino, em Cuiabá, o São João é organizado há cerca de 30 anos, é realizado pela família de Ademir Neves de Nascimento, o Kekezinho e, é precedido por uma procissão que sai da Igreja São Domingos Sávio e se desloca até a casa do morador.

O festejo começou com seu pai, João Francisco do Nascimento e a família continua mantendo a tradição. Celso Corrêa Cardoso, fiscal de rendas, aposentado, em seu livro “Se faltar Santana Inteira”, lembra que “ ao pé da subida do Morro da Luz, na Prainha, onde havia um bar de nome “Colorido”, de vida noturna famosa e fogosa, nos moldes das casas noturnas “Largo das Rosas e Palácio das Águias”, não mais existentes, onde as festas pagãs e juninas aconteciam com mais intensidade, como as do São João Degolado, do São João Putero, do São Benedito atrasado, dos carnavais, das mesas velhas e cadeiras capengas. A parede da frente era alta, onde, também, prevalecia o carteado e a exploração, onde hoje, encontramos apenas vestígios.
Hoje, só o barulho dos carros e dos dependentes químicos.

Hoje muitos guardam essa tradição em suas casas, chácaras, sítios, escolas e alguns bairros antigos de Cuiabá, nos distritos da cidade, até São João à moda Drive Thru já teve na cidade, em uma inovação da publicitária Zilda Carracedo.

(*) NEILA BARRETO é Jornalista. Mestre em História. Membro da AML é atual presidente do IHGMTe escreve as sexta-feiras para o "A Imprensa de Cuiaba".



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