Nos bastidores da política digital brasileira, poucos partidos entenderam tão bem o jogo das redes sociais quanto o PL. Sob a guarda-chuva do bolsonarismo, uma sigla se transformou na principal força de mobilização digital do país. E isso se deve a métodos, estratégias e recursos dignos de uma verdadeira operação de guerra informacional.
Hoje, a arena política acontece nos algoritmos. Quem lê os códigos, molda o discurso.
Nos últimos meses, eventos de formação digital promovidos pelo PL e seus aliados ocorreram em diversas capitais e cidades do Brasil. Jovens militantes, assessores, influenciadores e profissionais de marketing participam de verdadeiros treinamentos intensivos de tecnologia e redes sociais aplicadas à política.
Esses encontros vão muito além de palestras simples. São momentos de tecnificação e profissionalização das estruturas digitais do partido. Representantes de plataformas, especialistas em inteligência de dados e empresas de marketing político oferecem ferramentas e treinamentos que alimentam um exército digital cada vez mais eficaz.
Enquanto uns ainda aprendem a gravar vídeo, outros já automatizam narrativas em escala.
Não se trata de um fenômeno pontual. O PL abriga uma rede altamente coordenada de parlamentares, influenciadores e produtores de conteúdo. O partido domina uma lógica algorítmica com capacidade de viralização e engajamento emocional.
O que antes era um gabinete do ódio improvisado virou uma máquina sofisticada de produção de conteúdo. Ela opera em múltiplas plataformas, com uso intensivo de inteligência artificial generativa, automação e microssegmentação.
O que antes era um gabinete do ódio improvisado virou uma máquina sofisticada de produção de conteúdo
O PL como laboratório vivo: Um dos aspectos mais inteligentes desse modelo é a horizontalização das cadeias de influência digital. Deputados como Nikolas Ferreira, Gustavo Gayer e Bia Kicis atuam como hubs diretos com milhões de seguidores. Modelamos narrativas, testamos linguagens e ampliamos temas em tempo real.
No digital, quem conquista a primeira tela da timeline conquista a mente. E também a eleição.
Esse ecossistema não é centralizado, mas gira em torno de Jair Bolsonaro e de seu núcleo político. Bolsonaro segue como o maior gerador de engajamento da rede. Carla Zambelli e outros perfis funcionam como amplificadores secundários.
A análise dos clusters digitais mostra uma ação cada vez mais coordenada em políticas estratégicas. Do PL da “saidinha” às críticas ao STF e campanhas locais, o partido opera como uma verdadeira incubadora de candidatos com alta performance digital.No jogo das redes, simplicidade é força. Quem fala claro, toca primeiro. Quem toca primeiro, viraliza.
Big Techs: Esses eventos nacionais revelam um fato incômodo. As plataformas ainda são parceiras ativas desse ecossistema. Ao oferecer ferramentas de automação, análise e inteligência artificial para marketing, empresas como Meta e Google acabam fortalecendo uma estratégia já bastante eficaz.
Enquanto a discussão sobre regulação caminha lentamente, a extrema-direita digital avança com velocidade e método. Forma quadros, treina militantes e constrói linhas de produção de conteúdo com enorme capacidade de impacto.
Hoje, um partido sem braço digital forte não disputa eleições. Disputa a irrelevância
Hoje, um partido sem braço digital forte não disputa eleições. Disputa a irrelevância.
O risco para a democracia digital: Como autor do livro Brasil Digital, tenho alertado que o problema não é o uso das redes em si. É uma assimetria crescente de competências, estruturas e estratégias.
Enquanto as forças democráticas ainda debatem como se comunicar melhor, o PL já estruturou uma verdadeira cultura de guerra digital. Para este ecossistema, conteúdo, velocidade e emoção pesam muito mais do que fatos.
Quem não entende que rede é ritmo, algoritmo é narrativa e dados são munição, vai assistir à eleição pelo retrovisor.
O feed não é neutro. Ele é moldado por quem domina as ferramentas e sabe como funciona a dinâmica algorítmica. E hoje, ninguém entende isso melhor do que o PL.
Não se trata de demonizar a tecnologia. Trata-se de entender que a política digital é hoje o principal campo de disputa. Quem não dominar suas regras, ferramentas e lógicas perderá a capacidade de dialogar com a sociedade.
O PL já entendeu isso. Está pronto, treinado e armado para 2026.
A pergunta que deixo é simples: - Os demais partidos e forças democráticas estão?
(*) ALEK MARACAJÁ - Presidente da ABRADi PB, professor da ESPM de Big Data e Estratégia Digital, membro do Laboratório de Combate à Desinformação da UFPB e autor do livro Brasil Digital — Nas Entrelinhas da Polarização Política.
Ricardo Carvalho 09/06/2025
O artigo exalta a capacidade técnica e organizacional do PL no domínio da comunicação digital como se fosse um fenômeno disruptivo e inédito, mas ignora que a esquerda já estruturava inteligentemente a comunicação política desde muito antes da era digital. Gramsci, por exemplo, compreendia a hegemonia cultural como um projeto de longo prazo — a construção de sentido nas camadas profundas da sociedade por meio da educação, da imprensa, da arte e da linguagem cotidiana. O que a nova direita fez foi traduzir essas lições (aprendidas da \"esquerda\") para a lógica da desempenho atual, algorítmico e de choque emocional. Há, portanto, menos inovação e mais apropriação tática do legado comunicacional que a *esquerda comunista arquitetou* — com muito mais sofisticação e consciência crítica. A pergunta final — “Os demais partidos e forças democráticas estão (prontos)?” — não é apenas ingênua; ela é intelectualmente desonesta e estruturalmente falsa. Parte de uma premissa simplista: que há um “jogo digital” legítimo, no qual vence quem domina melhor as ferramentas. Mas a questão real não é quem está mais “preparado”, e sim o que estamos normalizando como comunicação política. Quando tanto a direita quanto setores da esquerda operam sob a lógica da viralização, da emoção reativa e da disputa por atenção instantânea, o resultado é o mesmo: uma política esvaziada de reflexão, onde a convicção substitui a consciência. O problema, portanto, não é que a esquerda esteja atrasada ou a direita acelerada. O verdadeiro impasse está no fato de que ambos os lados, ao aceitarem as regras da comunicação de massa contemporânea, passaram a disputar não consciências, mas reações. Trata-se de uma guerra de estímulos, não de ideias. E uma democracia mediada por estímulos é uma democracia sem sujeitos críticos — apenas audiências polarizadas. O resultado é que nos perguntamos “quem está pronto?”, quando deveríamos perguntar: “Pronto para quê? Para repetir slogans com mais eficiência? Para gerar mais cliques em menos tempo? Para reduzir o debate público a trincheiras algorítmicas?” A pergunta certa seria: quem ainda está disposto a resgatar a política como espaço de pensamento, escuta e transformação?
1 comentários