20 de Junho de 2025

OPINIÃO Segunda-feira, 28 de Abril de 2025, 12:55 - A | A

O Dia em que o IPHAN Caiu em Si (e no Chão)

Francisco das Chagas Rocha

Francisco das Chagas Rocha

francisco chagas

 Francisco das Chagas Rocha

Na Rua Sete de Setembro, bem no centro histórico de Cuiabá, a velha sede do IPHAN resistia estoicamente. Fechada há anos, sem um tapume, sem um aviso, sem uma fita zebrada para disfarçar a vergonha. Estava lá, nua e crua, exibindo suas rachaduras como medalhas de guerra — ou talvez de derrota.

O prédio era um testemunho silencioso de uma ironia cruel: a instituição encarregada de proteger o patrimônio cultural brasileiro não conseguiu proteger nem a si mesma. Passava quem quisesse: turistas distraídos, moradores apressados, gatos de rua em busca de sombra. Todos viam, todos sabiam: o IPHAN estava tombando. Só faltava a data oficial.

Foi numa tarde abafada, dessas em que Cuiabá cozinha os desprevenidos, que a tragédia se cumpriu. Primeiro, um rangido triste, como se o prédio tivesse decidido suspirar de vez. Depois, uma parte da parede cedeu, lançando adobes, poeira e anos de descaso no meio da rua.

A poucos metros de distância, uma placa ainda brilhava heroicamente: “Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”. Um lembrete em letras douradas de que o abandono também pode ser institucionalizado.

Sem tapumes, sem seguranças, sem alarde: o desabamento foi democrático. Pedaços de história espalhados pela calçada, como quem joga cartas velhas ao vento. Alguns moradores passaram devagar, respeitando o luto daquele que tombou sem decreto. Outros riram discretamente — porque rir é o que resta quando o absurdo é grande demais para a tristeza.

Depois, claro, surgiram as declarações. Falaram em “projetos de restauração”, em “recursos previstos”, em “importância histórica”. Mas o povo da Rua Sete de Setembro, esse já não se ilude fácil: sabiam que ali, diante dos olhos de todos, o IPHAN tinha tombado duas vezes — uma no chão, outra na confiança.

No fim das contas, o prédio deixou uma última lição: no Brasil, preservar a memória não é apenas restaurar paredes antigas. É também evitar que elas virem poeira — ainda que, aparentemente, isso exija mais esforço do que parece.

E, enquanto a poeira baixava, Cuiabá seguia seu curso, como quem já viu desmoronar muito mais do que velhas construções.
Pode ser assim



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