15 de Setembro de 2024

OPINIÃO Sexta-feira, 17 de Novembro de 2023, 15:44 - A | A

Mulheres invisíveis em Cuiabá e a água

neila barreto

 Neila Barreto

Na história da cidade de Cuiabá-MT, sempre no período de julho a novembro, de cada ano, a população sofre com muito calor. Antes tínhamos mais verde, mais lugares de água explícitos como tanques, chafarizes, nascentes, poços, rios, riachos, ribeirões. Muitos desses lugares foram soterrados para ceder espaço ao crescente adensamento da cidade. Os córregos que cortam a cidade hoje, estão soterrados ou por eles passeiam eternos esgotos que desaguam no rio Cuiabá. As praças públicas, hoje estão abandonadas por culpa dos poderes públicos e da própria população do seu entorno que não cuidam, não zelam, não se dedicam.

No meio de todo esse adensamento da cidade, também sumiram as lavadeiras. Mulheres zelosas das vestes de outras pessoas, das suas, da sua família e, também zelosa dos rios e ribeirões que cortam a cidade de Cuiabá.

Dentre elas temos, Ana Luíza uma lavadeira do córrego quarta-feira com poderes de mãe de santo, ali pelas bandas da rodoviária. Ficou conhecida pelo apelido de Mãe Preta, lembrada pelos antigos como mulher enérgica e de grande sabedoria. Ao mesmo tempo, que Dona Ana Luíza lavava as roupas todas as quartas-feiras, no mesmo córrego do bairro junto com outras mulheres, também, era chamada para benzer os doentes, oportunidade em que se valia das ervas do campo para curar os seus doentes, opinar sobre os assuntos da comunidade, resolver os problemas cotidianos. Apesar de analfabeta possuía uma capacidade de organização e liderança entre outras mulheres na comunidade, inclusive, contribuindo na luta para a formação do bairro quarta-feira, atual bairro Alvorada.

Moradora da parte alta do bairro, conhecida como quarta-feira de cima, local onde se encontra a Estação Rodoviária de Cuiabá “Eng. Cássio Veiga de Sá”, Ana Luíza era católica praticante e nunca se omitia em lutar a favor do bairro. Mais tarde mudou-se para o bairro Pedregal, com o mesmo ideal, onde faleceu na década de 1990, deixando saudades.

No Araés, outro bairro de Cuiabá, onde havia três poços de água potável, onde só de um se bebia e outros dois ficavam para as lavagens de roupas, nas imediações da Escola Presidente Médici, hoje Avenida Mato Grosso, entre as Avenidas Marechal Deodoro e Rubens de Mendonça, conhecida como Avenida do CPA, também se formavam um amontoado de lavadeiras, carregadores e carregadoras de água. Por lá faziam companhia para Nhá Germana, Siá Maria e D. Ana Luíza, as lavadeiras Marcianinha, Elzira, Clarice, mulher de Manoel Romão e Paulina de Camargo, todas já falecidas.

Mas não só as mulheres lavavam as roupas na cidade. Foi surpreendente encontrar nas memórias de D. Maria Antônia a figura do seu Emídio, casado com Shá Jorgina, moradores do bairro Araés. Viciado na bebida, Emídio lavava as roupas junto com a Jorgina. Andavam sempre juntos. Não desgrudava um do outro. De boa estatura, preto, gostava de cantar. Vivia pelos botecos do bairro gastando tudo que recebia pelo pagamento das lavagens das roupas. Ele tinha uma voz maravilhosa! Exclama D. Maria Antônia. Morava na rua Manoel Leopoldino, nas proximidades da TV Centro América. Morreu em 1953 depois de ingerir quatro garrafas de pinga numa brincadeira de aposta em um bar do bairro Araés.

Foram se os córregos, chafarizes, poços, tanques, ribeirões e riachos. A cidade soterrou tudo em nome da prosperidade. Grandes empresas não perdoam, matam as nascentes e, pasmem com anuência dos poderes públicos responsável por zelar do nosso Planeta. Mataram as minas, arrancaram as árvores, destruíram os grandes quintais, transformaram praças verdes em praças de cimento. Levaram os verdes para dentro dos condomínios particulares e privados. Os comerciantes arrancaram as árvores das calçadas para exibirem os seus letreiros comerciais, os loucos do trânsito destroem as árvores dos canteiros, bares e restaurantes retiram as árvores para colocarem toldos e cadeiras e, por aí vai. Ninguém é punido, ninguém repõe árvores, ninguém cobra, tudo passa como se nada tivesse acontecido. Quem paga?

Por tudo isso e muito mais, perdemos o título de “Cidade Verde” para Campo Grande em Mato Grosso do Sul. Também perdemos as nossas queridas lavadeiras para as grandes máquinas de lavar. Perdemos os seus cantos de mãe de santo a beira dos rios. Perdemos os seus encantos e as suas rezas, os seus louvores a favor das nossas águas e da nossa população padecida pelo calor.

Vamos pedir pela preservação dos quintais cuiabanos que estão desaparecendo para dar espaços aos grandes edifícios, na capital mato-grossense. “No futuro as nossas crianças não conhecerão mais araçá, saputa, jabuticaba, coroa de frade entre outras, relembrou dra. Leila Francisca de Souza”. Neila é preciso você ajudar! Exclamou ela! Então, vamos aqui, neste espaço cedido pelo jornalista Kleber Lima, implorar: “Plante Água” e, a população cuiabana agradece, quando outros tempos chegarem. Quem sabe, cada um fazendo a sua parte, em 2024 novos tempos virão, com menos calor e mais saúde.

(*) NEILA BARRETO é jornalista, historiadora, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e membro da AML.



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