
Neila Barreto
Nilza Queiroz Freire. Contadora. Escritora. Membro da Academia Mato-grossense de Letras e do Instituto Histórico de Mato Grosso – IHGMT. Seu nome é mulher. Mulher pioneira em vários caminhos. Aos 94 anos de idade demonstra uma saúde invejável e dá a todos uma lição de disciplina e compromisso com a vida, as coisas pública e privada. Um exemplo de vida a ser seguido. Neste março mulher lembramos a sua história de vida.
A história da Academia Mato-grossense de Letras -AML, inicia-se após o declínio da Associação Literária Cuiabana, fundada em 21 de outubro de 1884, instituição cultural que fomentava a leitura em Cuiabá, com o surgimento do Centro Mattogrossense de Letras. Fundado em 22 de maio de 1921, as sessões aconteciam inicialmente no Palácio da Instrução, atual biblioteca Pública Estevão de Mendonça, no centro da cidade. A carta de convocação para a primeira reunião foi assinada por José de Mesquita, João Barbosa de Faria e Lamartine Mendes. A sessão de instalação deu-se no dia 7 de setembro de 1921, no salão nobre do Palácio da Instrução. Em 15 de agosto de 1932, o Centro Mattogrossense de Letras transformou-se em Academia Matto-Grossense de Letras - AML, em decorrência da atualização aprovada pelos membros da casa, obedecendo o modelo da Academia Francesa e, depois, da Academia Brasileira de Letras. A cerimônia de instalação deu-se no dia 7 de setembro do mesmo ano.
Dentre várias Cadeiras instituídas surgiu a de número 14, cujo Patrono é o Pe. Ernesto Camilo Barreto, nascido em Cachoeira-BA, no dia 16 de fevereiro de 1828. Foi clérigo da Ordem de São Francisco até o ano de 1850, quando optou pela secularização, sagrando-se presbítero da Ordem de São Francisco até o ano de 1850, com o nome de Frei Ernesto de São Joaquim Barreto. Na Bahia, lecionou Teologia e Filosofia junto ao Colégio Franciscano. Sua vinda para Cuiabá se deveu a solicitação do Bispo D. José Antônio dos Reis ao governo imperial, visto que necessitava de um professor de Filosofia e Teologia para dar início à implantação do Seminário Episcopal da Conceição. Pe. Ernesto aportou em Cuiabá aos 7 de agosto de 1854, trazendo consigo irmã e mãe. Logo, deu início às tarefas de estruturar e preparar o plano de estudos e o material didático necessário ao bom funcionamento do Seminário que D. José fundara, o Seminário da Conceição, hoje Museu de Arte Sacra. A herança da educação foi para o Colégio Salesiano São Gonçalo. Os princípios que nortearam a montagem desse estabelecimento confessional e educacional tiveram por base a educação moderna, centrada no Iluminismo. Os primeiros livros didáticos que circularam em Mato Grosso foram produzidos pelo Pe. Ernesto Camilo Barreto, tais como o Compêndio Elementar de Teologia Dogmática e o Compêndio de Gramática Latina, impressos no ano de 1864. Em 1873, o presidente da província, Miranda Reis, nomeou-o para Inspetor Geral dos Estudos, equivalente hoje ao Secretário de Estado de Educação. Nessa gestão, Barreto elaborou o primeiro Regimento Interno do Ensino Primário, praticamente a primeira organização escolar de Mato Grosso, englobando disciplinas, horário e até método de ensino e introduziu a educação física nas escolas. Por anos, dirigiu o jornal A Imprensa de Cuiabá, onde desfilava artigos sobre o desastroso governo do presidente provincial Cel. Antônio Pedro de Alencastro, o que redundou na sua prisão em pleno culto da missa e sua remoção para o Uruguai, onde permaneceu por pouco tempo, uma vez o Ministério Conservador derrubara o Liberal, ocasionando a deposição de Antônio Pedro de Alencastro. Padre Ernesto notabilizou-se como político elegendo-se Deputado Provincial e Geral (Federal). O reconhecimento do Imperador adveio-lhe com o título de Protonotário Apostólico, condição de representante do Papa no Brasil, honraria de grande valor. Seu fervor religioso, no entanto, não conseguiu fazer-lhe honrar o voto da castidade, tendo vivido maritalmente e de cujo relacionamento nasceram filhos, cujos descendentes constituem ainda hoje, importantes e prestigiadas famílias cuiabanas, onde se encontra inserida esta jornalista. Faleceu em Cuiabá-MT, no dia 26 de maio de 1896.
Ocuparam a Cadeira 14, os imortais Hélio Jacob, Nilo Póvoas, Leowegildo Martins de Melo que mais tarde, ampliou o sonho de Pe. Ernesto, fundando um dos primeiros times de futebol de Mato Grosso e, atualmente.
A Cadeira 14 é ocupada hoje por Nilza Queiroz Freire, a primeira mulher a ocupar a presidência na história da AML, em Mato Grosso. Tomou posse no dia 25 de novembro de 1993, assumindo o lugar de Hélio Jacob, o último ocupante, cujo patrono da Cadeira é Pe. Ernesto Camillo Barreto. A sessão de posse foi conduzida por D. Maria de Arruda Muller e auxiliada por Dunga Rodrigues, ambas acadêmicas de Letras. Nilza é contadora.
Nilza Queiroz Freire é filha de Tarcílio Fernandes de Queiroz e Ana Pinto de Queiroz, uma cuiabana nascida no dia 1º de julho de 1932. Iniciou os estudos primários na Escola Modelo Barão de Melgaço, hoje Palácio da Instrução, capacitando-se para os Exame de Admissão na Escola Particular da Profa. Amélia de Arruda Alves (Amelinha), em 1944. O ginasial foi cursado junto ao Colégio Estadual de Mato-Grosso, hoje Liceu Cuiabano “Maria de Arruda Muller” e o médio na Escola Técnica de Comércio. É Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
Nilza Freire é membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, IHGMT, admitida em 25 de novembro de 1989, tendo como patronesse – Maria Dimpina Lobo Duarte. O IHGMT em 2019 completou o seu centenário. Nilza Freire ocupou por muitos anos os cargos de Secretária e de Tesoureira, permanecendo assídua nas reuniões até o dia atuais, além de pertencer à Academia Mato-grossense de Ciências Contábeis – AMACIC, fundada em 30 de outubro de 2015, onde ocupa a Cadeira nº 10, cujo Patrono é Darcy Avelino da Silva Gomes.
Profissionalmente, atuou junto à firma comercial Mattos & Nunes, entre 1949/1955; ao SESP: Serviço Especial de Saúde Pública – Ministério da Saúde – 1955/1978; escritório de Engenharia, Comércio e Indústria Ltda. – Encomind – 1981/1982.
Na Universidade Federal de Mato Grosso ocupou os cargos, de 1982, até se aposentar, como Contadora, junto à Gerência de Contabilidade da Coordenação Financeira; Chefe da Prestação de Contas; Chefe da Secretaria da Reitoria, entre os anos de 1988 e 1992.
Atuante, pesquisadora, escritora até os dias atuais, Nilza Queiroz Freire publicou muitos artigos em periódicos de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, e em livro: Plano de Contas, monografia apresentada no Curso de Especialização em Contabilidade/UFMT, 1983/4; A Escola que Vivi, documentário a respeito da escola pública, oferecido ao Governo do Estado de Mato Grosso; Micro Empresas como Modelo, trabalho oferecido à Funcep; Crônicas da Cidade Verde; e, Professora Alina: uma educadora além do seu tempo. Em coedição com Ivan Echeverria e Aecim Tocantins.
Atualmente escreve a história das ruas de Cuiabá e seus personagens. Profere palestras e declama poesias. Neste março dedicado às mulheres, um exemplo da sua disposição e talento:
O MEU NOME É MULHER!!!
No princípio eu era a Eva/Nascida para a felicidade de Adão/E o meu paraíso tornou-se trevas/Porque ousei libertação. /Mais tarde fui Maria, meu pecado redimiria. /Dando à luz àquele que traria a salvação. Mas isso não bastaria/Para eu encontrar perdão. /Passei a ser Amélia, a mulher de verdade, /Para a sociedade. /Não tinha a menor vaidade, /Mas sonhava com a igualdade. Muito tempo depois decidi: não dá mais! /Quero minha dignidade. /Tenho meus ideais! /Hoje não sou só esposa ou filha, /Sou pai, mãe, arrimo de família. /Sou caminhoneira, taxista, piloto de avião, /Policial feminina, operária em construção, Presidente da República. /Ao mundo peço licença, para atuar onde quiser…/Meu sobrenome é Competência, /O meu nome é Mulher!!!
(*) NEILA BARRETO é Jornalista. Mestre em História. Membro da AML e atual presidente do IHGMT.