O que é educar? Qual é a melhor maneira de se educar um filho? Estas perguntas atingem pais e responsáveis de diferentes culturas e camadas sociais. Mesmo no século XXI, muitos pais ainda acreditam que palmadas educam as crianças e impõem limites. No entanto, não é o que a psicoterapeuta infanto-juvenil e educadora parental, Mariana Vidotto, diz ser o melhor caminho. A profissional explica que uma infância com violências e punições é a base para todos os problemas sociais.
A violência infantil, seja ela física ou psicológica, gera forte impacto para o resto da vida, tanto de forma fisiológica quanto estrutural. Para entrar em “pane” emocional é muito fácil, explica Vidotto. Segundo a especialista, para se viver em uma sociedade equilibrada, é necessário haver pessoas saudáveis, sobretudo mentalmente.
“Essa forma de encarar as coisas interfere até mesmo na educação dos seus futuros filhos, construindo uma espécie de cascata de violência, um ciclo fomentado pela cultura da violência. Os problemas de saúde mental e social relacionados com a violência em crianças e adolescentes podem gerar consequências como ansiedade, transtornos depressivos, alucinações, baixo desempenho na escola e nas tarefas de casa, alterações de memória, comportamento agressivo, violento e até tentativas de suicídio”, pontua Mariana.
Existem famílias que fazem o uso de punições físicas em diferentes níveis, com surras, palmadas, beliscões, chegando a práticas mais graves de agressão contra o corpo da criança, podendo causar queimaduras, fraturas e outras lesões. Tais práticas são passíveis de punição, de acordo com o que está previsto na Lei da Palmada.
É o que o delegado da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente de Cuiabá, Clayton Queiroz Moura, explica que acontece com a maioria dos casos, quando a polícia chega ao endereço da denúncia. Muitos pais e responsáveis dizem que está "educando" para, no futuro, essas criançaas "não irem presas". Segundo o delegado, não há um dado consolidado de números exatos de denúncias de violência física contra crianças na Capital, mas que 80% são na região do bairro Pedra 90.
"Sinceramente, não sei dizer o porquê de grande parte das denúncias estarem concentradas nesta região [Pedra 90], talvez poderia dizer que se trata de um bairro periférico? Mas, não, essas denúncias não afetam somente a classe pobre. Mas recebemos denúncias de todos os tipos e, ao chegar no local, encontramos crianças em locais insalubres, outras sem lesões aparentes ou outras que precisamos encaminhar até para um abrigo", disse.
"TRADIÇÃO"
A grande maioria dos casos de violência contra a criança é motivada por um comportamento antigo ou "tradição de família", ou seja, educação com palmadas, que pune qualquer deslize de comportamento e desobediência com tapaz, chineladas e surras de cinto. Esta prática vem a partir de uma construção social e cultural sobre a relação entre adultos e crianças, como explica a especialista em desenvolvimento infantil.
Vidotto esclarece que a personalidade de uma criança é formada na primeira infância, de 0 a 3 anos, quando a área cerebral é desenvolvida através de duas coisas: o contato físico e interações sociais positivas, ou seja, quanto mais acolhimento, melhor e mais desenvolvida será a criança. Segundo a terapeuta, a relação entre a criança com os cuidadores principais literalmente define como a química do corpo se desenvolverá.
“A área cerebral responsável pelo que chamamos de personalidade é o córtex orbitofrontal. A fase mais importante se dá de 0 a 3 anos de idade. A melhor maneira de educar uma criança é com ferramentas que possibilitam o desenvolvimento de virtudes [habilidades emocionais]. Oriento aos pais uma remodelação de educação autoritária ou negligente, buscando o caminho do que chamo de autoridade amorosa dentro de cada família. A cada escolha educacional não violenta, você ensina o seu filho sobre como se relacionar com a violência”, elucida a especialista.
O delegado explica que a investigação de denúncias de violência contra crianças é bastante complexa, uma vez que precisa ser analisado desde o ambiente em que elas são encontradas até que ponto essas palmadas, surras ou lesões afetaram a vítima infantil. Ainda segundo ele, os motivos de violência são assustadores, muitos são fúteis, outros até porque a criança bateu nos pais. Mas Clayton afirma que nenhuma punição educa a criança.
"Temos que esclarecer que punição não educa criança, em nenhuma circunstância. Acredite se quiser, mas o motivo de surras nas crianças pelos pais é, primeiro, porque comeram algum alimento não permitido pelo responsável. Já o segundo é por qualquer outra desobediência. Nós ficamos chocados e tentamos conversar com aquele responsável dizendo que isso pode afetar o desenvolvimento da criança, já que muitas vezes a lesão não fica aparente na vítima e não temos o que fazer a não ser ir embora", finalizou.
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