Cuiabá comemorou 303 anos na última sexta-feira, 8 de abril, mas alguns moradores relatam uma sensação de abandono por parte do Poder Público e por parte também da própria população. A reportagem do Estadão Mato Grosso esteve na Praça da Mandioca e no Morro da Luz, localizados no coração da capital, para saber com quem realmente entende do assunto, sobre esse esquecimento.
Ponto turístico da cuiabania nos anos 90, o Parque Antônio Pires de Campos, mais conhecido como Morro da Luz, encontra-se abandonado após a desapropriação e demolição dos imóveis, em frente à Igreja São Benefito, para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Abandonado, o local se tornou um refúgio para os usuários de drogas e moradores de rua.
Mirassi dos Reis, empregada doméstica, mora no bairro Tijucal, em Cuiabá, e utiliza o transporte público todos os dias. Ela embarca e desembarca no ponto que fica em frente ao Morro da Luz e, como muitos, vive com medo quando tem que ficar esperando o ônibus no local.
“Eu fico preocupada e sempre atenta porque, hoje em dia, por mais que bandido não tenha cara, a gente fica receosa. Eu nunca fui roubada aqui, mas acho que deveria haver mais fiscalização por parte da polícia”, disse.
Gilberto Leite | Estadão Mato Grosso

Já para Wadnny Barros, auxiliar administrativo que também pega ônibus frequentemente no local, a segurança tem melhorado. No entanto, ele concorda quando Mirassi diz que o Poder Público deveria fazer mais. Ele pontua que o problema maior está na aparência do lugar.
“Eu vejo o descaso mais com relação à estética, limpeza, abandono público. Aqui deveria ser mais bem cuidado por ser o Centro Histórico da cidade. Por ser uma região habitada por pessoas em situação de rua e usuários de drogas isso afasta a população, que poderia estar usufruindo melhor da área. A parte que não é cuidada é pouco investida e no final das contas abandonada”, destacou.
Raul Lázaro, também conhecido como Mano Raul, lidera um projeto que usa o hip hop para combater as drogas. Ele tenta levar humanidade aos dependentes químicos através do gênero musical e defende a criação de uma casa de reabilitação para atender quem deseja ajuda.
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“A gente leva um pouco de aconchego e amor para eles. Infelizmente o poder público não vê que os manos e as minas que estão nas ruas são um problema para a sociedade em geral. As pessoas que estão aqui [Morro da Luz], na Praça da Mandioca e no Beco estão à mercê da violência, do frio, chuva, solidão e desprezo”, explicou Raul, acrescentando que é necessário fazer uma política sobre drogas que trate o dependente como doente e não como criminoso.
“Ter um olhar para eles, um tratamento, acolhimento. Um local para o tratamento deles, talvez uma casa de recuperação do Município. Algo que o traga de volta para a sociedade”, complementou.
Praça da Mandioca
Citada por Raul, a Praça da Mandioca também se encontra abandonada atualmente. A região que anos atrás era considerada o 'point' de jovens cuiabanos, hoje dá espaço a uma profusão de placas de "vende-se" e "aluga-se", espalhadas onde antes funcionavam bares e boates que lotavam todos os finais de semana.
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O público frequentador do local era, em sua maioria, eclético. Gostava de todos os estilos musicais. Por ser um ambiente receptível, o local acolheu principalmente a comunidade LGBTQIA+.
Adriano Oliveira, publicitário e comerciante da região, conta que a praça atrai a cuiabania desde a década de 1960, mas que ocorreu um ‘boom’ entre os jovens especificamente em 2015, com a divulgação da 'Mandioca Square' na internet. A rua era predominantemente de casas residenciais e poucos bares, o que acabou gerando um conflito entre moradores e comerciantes.
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“Os moradores se sentiam muito prejudicados por causa do som alto, urina e, às vezes, até fezes no chão, além de muito preservativo espalhado pela rua. Isso gerou uma série de processos no Ministério Público Estadual de Mato Grosso. Além do tráfico de drogas e muitos menores frequentando o local. Houve intervenções da Polícia Militar, uma propaganda que acabou denegrindo o espaço. Foi um conjunto de fatores que culminaram no sumiço da população daqui”, relembrou.
O comerciante cita o Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) como outro fator que 'trava' o desenvolvimento da região, já que os donos de imóveis enfrentam muitas dificuldades na hora de fazer reformas.
Gilberto Leite | Estadão Mato Grosso

“Muita gente começou a querer mexer com a infraestrutura das moradias aqui para se adaptar e o IPHAN vinha com uma série de requisitos quase impossíveis de se cumprir. Não se não podia reformar por causa desses entraves. O pessoal, então, foi esvaziando o centro e ele foi ficando cada vez mais inseguro. Você vê que é muito raro as pessoas passarem por aqui. De maneira geral o Centro está morto”, relatou.
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Em 2018, a Prefeitura de Cuiabá revitalizou a praça em parceria com o Iphan. Em 2021, o mesmo ocorreu com o Beco do Candeeiro. À reportagem, o publicitário disse que as obras serviram apenas para estética. “Quem vai se sentir seguro com um monte de usuários de drogas transitando por ali? Não é só de estética que vive uma cidade”, enfatizou.
A chegada da pandemia do novo coronavírus em 2020 foi a ‘pá de cal’. A covid-19 devastou principalmente o setor de bares e eventos, que depende da formação de aglomerações para funcionar. Estabelecimentos da Praça da Mandioca que tentaram driblar as medidas restritivas receberam multas pesadas e acabaram fechando as portas.
Agora que as restrições foram levantadas, Adriano acredita que o Poder Público pode ajudar a 'reviver' a Praça da Mandioca trazendo mais segurança para a região.
Gilberto Leite | Estadão Mato Grosso

“O que nós esperamos é que exista uma regulação para que se evite o que acontecia antes. Hoje aqui tem câmeras de segurança, algo que não tinha naquela época. E o conforto também, tem que ter um local para sentar, um banheiro, nem que seja químico, para usar. Acredito que se a gestão nos ouvir, podemos viabilizar esse retorno”, concluiu.