17 de Março de 2025

CULTURA Terça-feira, 21 de Novembro de 2023, 08:46 - A | A

CARTA ABERTA

A Voz da Literatura*

Coletivo Literário-MT

Coletivo Literário de MT

reuniao coletivo de literatura

 

Dez autores(as) da literatura brasileira contemporânea produzida em Mato Grosso se reuniram nesta segunda-feira, Dia da Consciência Negra, para discutir a delicada situação de um frágil profissional das artes: o escritor.

Ideias foram alinhavadas e costuradas, de forma a refletir sobre a sua labuta, afinal produzir literatura é uma atividade que precisa ser reconhecida profissionalmente, de fato.

O resultado foi a escrita desta carta aberta à sociedade mato-grossense, a fim de que paire por aí, flanando como pluma ou disparada como flecha, em qualquer geografia. 

1. É preciso considerar que quem escreve um livro, normalmente, precisa ter uma outra atividade para o seu sustento – realidade que não se restringe a Mato Grosso. O(a) escritor(a) não é reconhecido(a) pela sociedade como um(a) profissional. Infelizmente, no Brasil, até os(as) mais talentosos(as) escritores(as) não conseguem sobreviver exclusivamente da venda de suas obras. 

2. Além disso, as políticas públicas (apesar de bem-intencionadas, diga-se de passagem) não têm conseguido contemplar, com justiça e clareza suficientes, quem efetivamente produz textos literários. São inúmeras as exigências presentes nos editais de fomento à publicação, que seguem modelos idênticos a outras áreas, evidenciando um desconhecimento da singularidade do segmento literatura; o(a) escritor(a) se vê forçado(a) a desempenhar o papel de produtor(a) cultural e até mesmo de cumprir funções do próprio Estado, por exemplo, quando precisa converter e disponibilizar o seu texto em linguagens acessíveis, sem falar nas contrapartidas para prêmios, o que em si soa contraditório e até punitivo, pois precisa matutar em como propor ações nas quais seu trabalho possa “ser aplicado” de alguma forma. Escritor(a) não é professor(a), palestrante ou oficineiro(a) – que isso fique claro. 

3. A literatura é uma arte solitária. Há, certamente, momentos de congraçamento e intercâmbio produtivos de um(a) autor(a) com seus pares, mas criação literária é atividade singular. Nisso, ela difere de outras artes, como o teatro (que só se completa com a encenação) e o cinema, por exemplo, que envolvem o esforço criativo de um coletivo para acontecer. A lógica dos editais, ao exigir ou privilegiar projetos que contenham equipes, força o(a) escritor(a) a pensar em “mais alguma atividade” para propor junto com sua obra, na esperança de ser contemplado. Isso soa artificial. 

4. É compreensível que uma parte dos editais se volte a escritores(as) iniciantes, como política de estímulo, mas os(as) veteranos(as) na produção literária também precisam receber prêmios de incentivo. Se, em seus editais, o governo continuar focando apenas na publicação de autores iniciantes, a literatura no Estado tende a definhar, pois obras de qualidade não serão disponibilizadas e dificilmente chegarão a outras partes do país, o que é o sonho de qualquer artista – dar-se a conhecer amplamente, “furar a bolha” onde se encontra. 

É muito importante fortalecer as duas pontas da equação, porque: a) o novo é necessário para a oxigenação constante da cultura; e b) a arte também se aprimora com o tempo, via trabalho sistemático e experiência. 

Escrever constitui um árduo trabalho criativo e, como tal, precisa ser remunerado. É importante ressaltar que o poder público deve mesmo incentivar a política do livro e sua circulação. No entanto, não pode se esquecer de que, se não incentivar primeiramente o(a) escritor(a) a continuar produzindo, o livro não acontece. Assim, é urgente que se implemente uma premiação que o(a) remunere sem constrangê-lo(a) a funções que não lhe competem. 

Para tal, sugere-se que sejam criados editais que verdadeiramente premiem bons(oas) escritores(as) com cachês adequados em dinheiro, nos quais a qualidade das obras (e não dos projetos) seja analisada por pareceristas renomados(as) (inclusive, de outros Estados), apresentadas sob pseudônimos (no caso de originais manuscritos), evitando, assim, injustos favorecimentos. 

5. O momento é oportuno para refletir sobre o trabalho da escrita e da leitura na sociedade mato-grossense. Não se pode abrir mão do potencial deste vital segmento produtivo, que cria memória, pensamento, opinião, inovação, conhecimento e arte. 

Nenhum povo conquista autonomia sem uma cultura que a expresse. Ela vai a toda parte, sem sair de sua terra. Na reunião de hoje, foi produzida esta carta a dez mãos. Que outras mãos e mentes, irmanadas com o desejo de cidadania e florescimento artístico em nosso Estado, a assinem conosco. 

*Texto produzido pelo Coletivo Literário de MT, mais informações pelo e-mail [email protected] 



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