No fim de semana de Carnaval, um grafite feito na fachada da casa em que viveu Dona Leopoldina, localizada no entorno da Praça Dom Wunibaldo, em Chapada dos Guimarães (65 km de Cuaibá), chamou a atenção para a falta de conservação do patrimônio histórico do município. A casa em questão é uma das últimas que conserva a arquitetura tipicamente chapadense, com telhas de barro coxa e pé direito baixo, devido ao nevoeiro que paira sobre a cidade.
O grafiteiro Luis Badaró assumiu a autoria da arte. Ele disse que não sabia sobre o tombamento do imóvel e decidiu deixar a "sua marca". A obra foi criticada por muitos moradores, mas o fato é que a atenção da comunidade local se voltou para a falta de conservação e descaracterização dos imóveis localizados no entorno da praça, que é todo tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A chapadense Ruth Albernaz, que é artista e bióloga de origem cabocla, pós-doutoranda em Ensino na Amazônia, analisou que a questão deve ser vista de uma forma ampla e desperta a necessidade urgente da gestão municipal, do Iphan e da própria comunidade unir esforços para a preservação das poucas moradias tipicamente chapadense.
"A casa de dona Leopoldina é um ícone da arquitetura tipicamente chapadense, pé direito baixo por causa do nevoeiro, telha coxa e as cores da padroeira Nossa Senhora de Santana (branco e azul). A casa não está localizada em um lugar qualquer da cidade, mas no entorno do primeiro bem tombado pelo Iphan em Mato Grosso”, pontuou.
Ao HNT, ela disse ainda que "é preciso investir em educação cultural e patrimonial em Chapada, para que haja uma percepção da importância da nossa identidade tão única e de uma riqueza imensurável. É urgente que toda sociedade chapadense, junto ao poder público, crie ações de salvaguarda do nosso patrimônio cultural".
Outra situação pontuada por Ruth é sobre o investimento para a reforma da praça, onde está sendo investido um alto montante, mas que não contempla os imóveis tombados. “Em frente a essa casa que está em ruína, o governo estadual investiu R$ 14,5 milhões em uma reforma na praça e na rua Quinco Caldas, que não dialoga com o entorno, com a cultura, história e ambiente, gerando o que chamamos de 'memoricídio'", analisou a artista.
O prefeito de Chapada dos Guimarães, Osmar Froner (MDB), disse que todos os moradores do entorno da praça serão notificados a preservar as características dos imóveis. “Vamos ter que notificar todos os moradores do entorno da praça. Os imóveis são tombados e devem manter as suas características. O que aconteceu é triste, mas também é um alerta sobre a necessidade de preservação do patrimônio”, pontuou.
Segundo o gestor, a prefeitura chegou a fazer uma proposta para desapropriar a casa de Dona Leopoldina, mas não houve acordo com a família, que pediu uma indenização de R$ 1,2 milhão, quatro vezes maior do que a avaliação feita pelos técnicos. Um dos problemas na questão imobiliária, é que parte do terreno onde a casa foi construída está em terra devoluta, conforme o prefeito.
A reportagem tentou localizar os herdeiros, mas até o fechamento desta reportagem não se pronunciaram. O espaço segue aberto.
PAPEL DO IPHAN
O ambientalista Noam Salzstein, morador de Chapada, avalia que o caso chama a atenção para a necessidade de uma maior atuação do Iphan. “O que considero realmente triste é o estado da casa, que é um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da cidade. Também sinto falta de uma maior atuação do Iphan, visto que há comércio descaracterizando a fachada para colocar letreiros e painéis chamativos”, argumentou à reportagem.
Já o Iphan, por meio de assessoria de imprensa, disse que o imóvel que recebeu o grafite foi objeto de fiscalização do Iphan. Por se tratar de imóvel do entorno, o proprietário será notificado por intervenção não autorizada pelo Iphan.
“Vale lembrar, ainda, sobre a importância de os proprietários requisitarem a manutenção preventiva, que é feita de forma rotineira e tem o objetivo de se antecipar a possíveis problemas na estrutura do imóvel”, explicou. O Instituto disse ainda que não é obrigatória a fixação de placa informando sobre o tombamento.
DONA LEOPOLDINA
Leopoldina Linda da Silva faleceu com 92 anos de idade, no dia 5 de dezembro de 2016, em Cuiabá. Segundo o laudo de necropsia, a causa da morte foi um traumatismo craniano, após uma possível queda dentro de casa, que tinha pouca iluminação, já que Dona Leopoldina sempre foi contrária à modernidade. A pequena casa nunca teve ligação elétrica. Ela somente utilizava a luz de lampião e sempre cozinhava em fogão à lenha.
Em sua homenagem, a Prefeitura Municipal de Chapada dos Guimarães, através do Decreto nº. 041/2020 de 31 de março de 2021, declarou a casa de Dona Leopoldina como de Utilidade Pública e projeta destiná-la para a criação de um Centro Cultural e de Atendimento ao Turista.
Até o momento, a promessa não foi cumprida pelas autoridades locais.