A IMPRENSA DE CUYABÁ

Sexta-feira, 09 de Agosto de 2019, 18h:28

A água, as festas juninas e as mulheres

A água e as festas são femininas assim como as mulheres. Significam vida. São sensíveis. Servem ao povo como alimentação e cultura. Perpassam pelas nossas vidas até o nosso retorno ao infinito. Simbólicas, constroem os nossos valores, a nossa cultura, enfeitam o nosso imaginário, servem de diversos cenários e perpetuam a nossa memória.

Os meses de junho e de julho se foram, mas as festas juninas ainda continuam em nossa cidade e em nossa memória. A alegria dos festejos de São João se confunde com a hospitalidade do nosso povo. Passear pelo centro histórico de Cuiabá neste período é a mesma coisa que relembrar as grandes festas de São João que aconteciam no espaço urbano da cidade.

Por lá as festas juninas ou julinas sempre aconteciam com muita freqüência. A lavação do santo consistia em colocar os pés dele sob a água e daí para frente tudo era alegria. Banda de música, noiva no carro de boi, quadrilha, quentão, bolo de arroz, amendoim e muita animação e, Bolinha estava sempre presente, nos dias atuais.

  

Havia três opções para a lavação do santo na Cuiabá de outrora: O Chafariz do Jardim Alencastro, a Bica da Prainha e o Tanque do Baú. Porém, havia os que preferiam atingir o rio Cuiabá, como o São João de D. Carlota Ferreira Ponce, moradora da encosta da igreja Bom Despacho. O São João mais famoso era o de “Siá Blandina” que era lavado na Bica da Prainha. A rua ficava pontilhada de fogueiras e as estrelas saltitavam no céu, como se quisessem cair por sobre o córrego da Prainha, hoje canalizado. Nas margens do córrego ficavam a emoldurar as festas de São João de seu Tingo, Portela, Clóvis Sabo, Manoel de Horácio, Firmo Fontes e outros, como diz a famosa poetisa Dunga Rodrigues em suas memórias.                                       

O povo vinha de todo lugar para procurar a Bica d´água e as suas festas hoje, criminosamente, destruídas para dar lugar à urbanização da cidade sem planejamento, como era antigamente. Quantas cidades brasileiras enfeitam as ruas e praças com essas bicas e esses chafarizes? Por que Cuiabá não faz o mesmo? Segundo o historiador Lenine de Campos Póvoas, o lugar ainda chora pelo seu resgate, pela sua reconstituição, pois permanece sempre úmido e frio com filetes de água a chorar.               No bairro Lixeira, o São João de seu Bento – um pedreiro e o seu irmão Honório, era lavado no Tanque do Baú (proximidades do Hospital Fémina), lugar onde hoje se encontra localizada uma escola municipal desativada, via aquática soterrada pelos prédios e pelas insensibilidades.

Lá pelos lados da igreja do Rosário, o São João de Nhá Tuta e João Romão, as festas de Merenciana, de Maximiana, Eulália, de Joana, e Shá Nhana, deixaram eternas saudades e se perderam no tempo e no espaço.

Pelas bandas da Igreja Mãe dos Homens, o São João do seu Gurgel ia do Bosque (Praça Santos Dumont) até o Jardim Alencastro para a lavação do Santo no Chafariz do Jardim e o povo numa procissão festiva com velas acessas caminhava calmamente, sem ter medo da violência, do assalto ou da velocidade dos veículos.

Havia o São João de dona Capítulina Guerra, na Praça da Mandioca, onde o santo era lavado na fonte luminosa, localizada na Praça Alencastro e, depois, voltavam em procissão para a feirinha da mandioca. A festa durava três dias.

Um dos mais famosos era o são João bola de Ouro, de dona Jovina, moradora do Largo do Rosário. Também, não podemos esquecer do são João de dona Juja, que atraia grande número de pessoas. Até hoje diversas famílias de Cuiabá mantém a tradição de festejar são João Batista, levando o Santo para a igreja e, depois retornando para dar prosseguimento a lavagem e chá com bolo. Em muitos casos, as festas duravam até 3 dias. Hoje muitos guardam essa tradição em suas casas, chácaras, sítios, escolas e alguns bairros antigos de Cuiabá. Quando o tempo esfriava, o batismo do santo era feito em locais mais próximos do festeiro, nos chafarizes das praças Ipiranga ou Alencastro. Era muita gente mesmo!

Um dos festejos que se mantém firme, até hoje, segundo Francisco Chagas é o do senhor Pedro Celestino, morador da rua 7 de Setembro, na capital. O ritual da festa é composto por missa, procissão e lavagem do Santo, seguido de farto chá com bolo.

Há uma lenda que, segundo a população que, no dia de São João, ao lavar o santo, caso você não veja a sua imagem na água, é certeza que no outro ano você não estará entre nós.

 

(*) NEILA MARIA SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História 

E-mail: [email protected]